Friday, September 14, 2007

Três minutos apenas????/....

Marcar hora para transar pode contrariar a lógica do desejo, mas é mais c
omum do que parece. O sexo previamente agendado é o habitual para 41%
dos chineses que participaram de um estudo que ouviu mais de 5.000 pessoas
em 26 países. O Brasil está em segundo lugar na lista, com 12% dos
entrevistados estipulando horário para a relação sexual.

NO COMEÇO aquilo parecia apenas o resultado de uma atitude prática, racional. Profissionais ambos, ele médico, ela advogada, e sempre às voltas, ambos,
com uma agenda sobrecarregada, deram-se conta de que os encontros teriam
de ocorrer em horários rigorosamente marcados.
O que não deveria ser um
obstáculo para a paixão que ambos sentiam, que parecia firme e duradoura.
De fato, no começo foi assim.
Encontravam-se em um hotel, no centro da cidade, em dia e hora previamente
estabelecidos. O tempo que podiam passar juntos em geral não ultrapassava
45 minutos, aparentemente mais que suficientes.
Mas então uma sutil mudança foi se operando nela.
Mulher fogosa, continuava motivada pelo desejo; porém mostrava-se
cada vez mais fixada no tempo, no controle do tempo.
O relógio -um pequeno despertador que sistematicamente extraía da bolsa
e colocava sobre a mesa de cabeceira passou a mobilizar boa parte de
sua atenção. Por cima do ombro nu do parceiro, olhava constantemente
o mostrador, acompanhando a marcha implacável, porém fascinante,
dos ponteiros. De início ele não se deu conta do que sucedia; mas então
ela disse que precisavam organizar melhor a agenda do encontro, em função,
claro, do pouco tempo de que dispunham. Mulher racional, extremamente
prática e disciplinada, tinha uma proposta nesse sentido. Extraiu da bolsa uma folha de papel e pôs-se a ler o que se constituía num verdadeiro e esquemático regulamento do
encontro. A primeira e fundamental condição era a pontualidade.
Teriam de chegar ao hotel exatamente na hora prevista.
O tempo para tirar a roupa seria de três minutos. Os cinco minutos seguintes
seriam destinados a carícias prévias sem as quais (isto ela admitia, ainda
que com relutância) o coito poderia se tornar muito brusco.
Estavam previstos cinco beijos, cada um com a duração de 15 segundos;
para palavras amorosas, seis minutos e assim por diante.
O ato sexual propriamente dito duraria, isso de acordo com trabalhos
especializados, 11 minutos. Depois, banho, vestir-se, sair, tudo cronometrado.
Poderia funcionar bem.
Mas em matéria de pontualidade ele não chegava aos pés dela.
Inevitavelmente, e também por causa do consultório movimentado,
atrasava-se, o que, inicialmente, ela aceitou: afinal, amavam-se. Mas quando
os atrasos se tornaram constantes, ela começou a impor sanções: corte nas
carícias prévias, diminuição do número de beijos. Acabaram rompendo.
Ele agora tem uma nova namorada, menos fogosa, porém menos preocupada
com o relógio.
No último Dia dos Namorados, ela lhe deu de presente uma
ampulheta, que ele conserva sobre a mesa do consultório.
De vez em quando, fica a olhar a areia escorrendo, o que lhe provoca
interessantes reflexões sobre a transitoriedade da existência.

Amor com hora marcada
de Moacyr Scliar - Texto publicado na ''Folha de São Paulo''
www.folha.com.br em 12 de junho/07 - Cotidiano

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