Todos nós temos vizinhos, mas eu acredito que ninguém, ou
nem um de nós ficamos
atento aos pequenos
ou grandes movimentos que eles fazem!É importante pensar
que eles são gente como nós e em num dado momento eles já
não aparecem mais....
Amei esta crônica, por isso transcrevo para que vocês possam permitir, a si
mesmo, apreciar as
atitudes e estranhezas de um vizinho um tanto, ou bastante
desconhecido, que merece ser imortalizado numa crônica!...
Quais seriam as inúmeras qualidades deste vizinho???....
Eu, não o perderia de vista, forma que encontraria para
conhecê-lo
ainda mais!
17.mai.2013 - Ivan Angelo Crônica - (Revista Veja)
O que primeiro me chamou a atenção, às 8h30 da manhã, foi
que ele estava indo colocar seu saquinho de lixo na lixeira da esquina, a uns
25 metros. Não é comum um morador de rua caminhar 25 metros a fim de manter
limpo o seu pedaço. Na volta, seu olhar encontrou o meu, com simpatia, como
devem ser os olhares matinais entre vizinhos que fazem coisas corretas.
Uma hora depois, quando voltei da minha hidroginástica, ele
estava sentado discretamente, costas apoiadas na parede, e de novo nossos
olhares se encontraram; ouso dizer que o dele procurou o meu, e mais: ele me
surpreendeu com um gesto, dedão para cima, positivo. Cúmplices não sei de quê.
É um homem branco, de olhos bem claros, barba castanha
espetada de 1 centímetro, nariz benfeito, magro, pequeno, forte, andar firme,
veste calça jeans, camiseta, uma blusa grossa de malha,deve ter uns 30 anos.
Encontrara lugar para se instalar havia uns dias ao lado do
prédio onde moro. É um quadrado sem muro na frente de uma casinha geminada que
está para alugar, deve medir uns 4 metros por 4. Naquele latifúndio acomodou
dois carrinhos de supermercado, seus papelões, que servem de anteparo e
colchão, e seus pertences. Entre eles, uma vassoura e um cachorrinho marrom de
pelúcia, que ele põe ora aqui, ora ali, em posição de guarda, como se fosse
esperto vivente.
Da minha janela, no 17º andar, passei a observá-lo. Não
bebe, não fuma, não cheira. Não sei onde come e onde faz suas necessidades. Ali
não é. De manhã, calça sandálias de dedo, arrasta seus trens para o lado oposto
àquele onde dorme, varre “a casa” minuciosamente e toda a calçada da frente.
Depois, utilizando uma caixa vazia de sorvete, dessas de 2 litros, branca,
recolhe água limpa que escorre na sarjeta em frente e lava todo o seu quadrado
e a calçada. Varre o lixo da sarjeta, põe num saquinho e o leva à lixeira.
Espera o chão secar e volta os móveis para o lugar.
É um lorde, se comparado com os universitários da PUC que à
noite espalham na rua uma imundície de copos de plástico, garrafas quebradas,
palitos de churrasquinho, palhas de milho e bitucas de cigarro, no entorno dos
botecos, a uma quadra dali.
Meu insólito vizinho talvez os compreenda: ali não é a casa
deles. Parece criança a brincar de casinha. Quando o sol esquenta, tira os
tênis, as meias e lava os pés na água do lençol freático que escorre do outro
lado da rua. Depois calça sandálias de dedo para secar os pés ao vento. Lava o
rosto, os braços, as meias e volta para o seu quintal. Põe as meias, os tênis e
uma toalha de rosto encardida para secar no muro. Muda a posição de vigia do
cachorrinho de pelúcia, senta-se no chão — e lê!
Desci para ver disfarçadamente o que era: um gibi infantil.
Olhou-me e de novo me estendeu o dedão: positivo. Suas últimas aquisições: uma
lixeirinha branca de plástico gradeado com saquinho por dentro e, pasmem, um
vaso de planta com uma azaleia sofrida que ele tenta reanimar. Na sexta-feira,
deixou a casa arrumada, pegou o carrinho menor com algumas coisas e foi pela
rua abaixo, em passo leve. Não voltou à noite. Fantasio que ele foi passar o fim
de semana fora.